Não queria passar esta manhã sem desabafar a triste sina de um lusitano solitário perdido pela helvécia. No meio de uma verdadeira ONU de colegas, ontem fui "motivado" a organizar um jantar num restaurante português para aquela rapaziada, onde senti as verdadeiras dificuldades de explicar porque é que até gosto de um estabelecimento daqueles. Aqui fica, bem ao estilo de uma curta metragem francesa, os diversos capítulos desta tarefa:
1 - Escolha do local. É óbvio, e acho que nem preciso de mencionar isto, que para a escolha do local o meu primeiro passo foi ir ao Google e pesquisar qualquer coisa como "Castro bife restaurant geneva"... claro, resultados 0. Ainda arrisquei qualquer coisa como "castre biefe restaurant geneva"... mas nada. Desiludido, optei por procurar nos guias que a senhora do turismo me deu e ver que surpresas me aguardavam. Finalmente encontrei um que me chamou a atenção (até porque dos 3 que constavam no guia, era o único que estava aberto nesta altura do ano) e que tinha um nome bem típico... "ZÉ DO PIPO". Erro fatal... óbvio que quando se vai a um restaurante com um nome português tem que se explicar o que quer dizer o nome. "Zé" até foi fácil... agora "Pipo", meus amigos, tarefa hercúlea... ainda por cima depois de ter explicado usando o pipo de um pneu como exemplo perguntaram-me "Então o que é que é um Zé do Pipo?". Bolas, esqueçam a porcaria do pipo e pensem só que o gajo se chama Zé.
2 - A equipa. Há que descrever a equipa, de modo a enquadrar melhor o jantar. Então aqui vai:
- Um escocês muito ruivo (estilo cenoura vencedoura do concurso de cenouras da feira de Santarém), e com uma cabeça do tamanho de um garrafão de água de 25 litros. Digo-vos meus amigos, com uma cabeça daquelas, 2 velas nos olhos e uma na boca, e temos a verdadeira abóbora do Halloween.
- Um inglês magríssimo, que dá ideia que se vai desfazer a qualquer momento. Quando se ri, por mais hilariante que seja a situação, nunca abre a boca. Confesso-vos que da primeira vez que assisti a uma gargalhada dele fiquei mesmo assustado.
- Uma belga com uns óculos tipo mix entre os do Padre Feitor Pinto e os do Diácono Remédios. Imaginem dois fundos de garrafas de Jack Daniel's com o formato de duas borrachas rotring, amarelas. Ainda por cima tem uma bilha de fazer inveja à mais anafada das Fátimas.
- Um mestiço oriundo do Egipto, com cara de tagliatelli com molho pesto, que tem as unhas pintadas de vermelho e com uma voz de quem andou a sugar hélio de uma luva de borracha.
- Um gajo gordo, com cara de pirata, semelhante aos que vemos nos filmes série B, com um ar porco e feio. Tem a particularidade de usar todos os dias e todas as semanas a mesma camisa de manga curta (mesmo quando estava a nevar).
- Um holandês, filiado no escritório de Philadelphia, a vender o projecto para o escritório de Bruxelas, casado com uma portuguesa e a viver no porto, e a fazer o projecto aqui em Genebra. Tem a mania de mandar bitaites em português e dos quais não percebo a ponta de um corno, mas como se trata de uma das altas esferas da gestão limito-me a rir e a soltar um sonoro "Exacto!!!"
- Um gajo estranhíssimo, com umas calças até ao peito com os tornozelos de fora, e com uma voz de flatulência fininha.Tem uma cara de porco nazi e um ar de caniche de luxo... muito bizarro.
3 - O Jantar. Fazendo jus ao nome, o restaurante era rico em pratos de bacalhau. Primeiro passo, explicar a todos eles como é que se pronuncia "bacalhau". A versão do "bácáláu" foi a vencedora. Segundo passo, explicar como é que se pronuncia "à Bràs". "Ei breish" foi a versão vencedora. O mesmo gajo que me perguntou o que é que queria dizer "Zé do Pipo" queria também saber o que é que quer dizer "à Bràs". Aí, preferi explicar-lhe o que é que quer dizer "vai levar na peida".
Feitos os pedidos ("Cáudêrada de Temboril" e "Bácáláu ei Breish") veio o processo de degustação, que decorreu com a maior das normalidades. Foram bastantes os comentários que apontavam que o bacalhau estava salgado (haviam de experimentar o da minha avozinha no pico do natal, em que se prepara ao mesmo tempo os fritos e o perú) mas até apreciaram a comida. Tamboril nem o vi, mas quase que os convenci que as toneladas de batata da caldeirada eram suculentos pedaços do dito peixe.
Para sobremesa todos pediram "Creme de caramelo" e ninguém refilou quando veio um belo de um Pudim Flan. Eu como sou português, já estou habituado aos nomes pomposos que damos às sobremesas. Quem não conhece o "Doce da avó" (creme de leite condensado, com natas e bolacha), o "Doce da casa" (creme de leite condensado, com natas e bolacha), "Combinado maravilha" (creme de leite condensado, com natas e bolacha) ou o "Especial Fátima Tropical" (creme de leite condensado, com natas e bolacha).
No final, um Porto para rematar mas ainda acho que devia ser daqueles vinhos do Porto, marca branca que se vendem no Lidl e aparecem no catálogo como promoção da semana. O gosto era intragável.
4 - A conta. 35€ por uma garrafa de vinho branco Alvarinho (nem sequer era de reserva ou VQPRD) fez-me corar, mas como ninguém se queixou, também não disse nada. Já tenho um contentor de Alvarinhos e Esporão para trazer para Genebra.
E foi assim o jantar no Português. Para a semana temos comida típica inglesa, que é como quem diz que vou passar fome.
Desolado, a Fátima não apareceu para jantar.
quinta-feira, 31 de julho de 2003
escrito por Axe @ 08:41
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