quarta-feira, 13 de dezembro de 2006

A poesia Giftiana

A propósito de um post recente noutro blog, que falava da última música dos The Gift, "Fácil de Entender", resolvi dedicar-me a algo que já queria fazer há algum tempo - uma análise às letras da banda de Alcobaça, em busca da fabulosa poesia que a muito custo nelas se esconde.

Para tal, dei-me ao trabalho de analisar as letras dos cinco álbuns dos The Gift - Digital Atmosphere, Vinyl, Film, AM-FM e Fácil de Entender. Não foi preciso ouvi-los, porque felizmente o site oficial disponibiliza todas as letras, o que me facilitou a tarefa.

Tenho de confessar – foi doloroso. Muito doloroso. Mas ao mesmo tempo, muito divertido – e deixou-me a pensar: onde raio terá esta gente a cabeça quando se põe a escrever letras?...

Ponto prévio: o que salta logo à vista ao ler as letras dos Gift é a questão do inglês. Não a questão de eles cantarem em inglês – não tenho nada contra bandas portuguesas a cantar em inglês –, mas o facto de ser um péssimo inglês. Se é para cantar em inglês, o mínimo que se pede é que saibam inglês, não?... Ou estarei a ser demasiado exigente? Será 'So why cannot find/ the true love of mine?' uma frase aceitável? Não me parece. Nem nenhum de muitos outros exemplos que são fáceis de encontrar:
"You can change of opinion everyday"
"And your heart don't cry"
"All the love you gave it to me"
"Why this happening to me"
"The things that they said us"...

Mas seria muito fácil vir aqui só falar de erros básicos de inglês. Fácil e aborrecido. Passemos às partes divertidas...

Aqui em tempos, descobri na Amazon um livro apresentado como um dos mais divertidos textos sérios em inglês: "English As She Is Spoke - Being a Comprehensive Phrasebook of the English Language, Written by Men to Whom English Was Entirely Unknown". O livro foi escrito no final do século XIX por José da Fonseca e Pedro Carolino, dois portugueses que quiseram escrever um livro que ensinasse a falar inglês – com um pequeno senão: eles próprios não conheciam a língua, socorrendo-se de um dicionário para fazer traduções literais de expressões. O livro é um conjunto surreal de frases sem sentido num inglês macarrónico que se torna hilariante de tão mau que é. Na maior parte dos casos, olhando apenas para as frases em inglês, é quase impossível descortinar o que queriam os autores dizer com algumas das expressões.

As letras dos Gift são como que uma espécie de "English As She Is Spoke" da música portuguesa – não são tão más como o livro (nada pode ser tão mau), mas são igualmente divertidas e pelo menos eles parecem levar-se tão a sério quanto os pobres escritores de há mais de cem anos. Vejamos exemplos:

'Angel's Landscape', do primeiro disco, até não começa mal:
"Somewhere in the city
There's an angel crying
And someone in the room over there
Is talking about him"

O pior vem a seguir:
"And he runs
From a purple looking"

Hã?... And he runs/from a purple looking? Que diabo...? Nem sequer consigo imaginar o que estarão eles a tentar dizer - a única hipótese que poderia eventualmente fazer algum sentido seria o pobre anjo andar a fugir de alguém que lhe quisesse dar um murro e pôr-lhe um olho roxo (purple looking, claro...), mas não deve ser isso, pois não?...

Mas este não é o único exemplo de imagens fortes – e completamente sem sentido – que a banda utiliza. Em 'Always', ainda no mesmo álbum, surgem os versos 'And you still got power to scream/ With many humans that I ever conceive'. Já nem falo na má construção da frase, porque a ideia destes versos é suficientemente estranha para nem ser necessário referi-la – de que estão vocês a falar, rapazes? Many humans that I ever conceive? Só consigo pensar que será uma música sobre o relógio biológico de Sónia Tavares a começar a dar horas.

O meu tema preferido, no entanto, é 'Concret', que aparece no segundo álbum, 'Vinyl'. Toda a letra parece querer girar em torno de coisas concretas – ou então em torno de coisas de betão. Pelo menos, é o que se subentende do título e da insistência na utilização da palavra 'concret'. O grande problema é que, em inglês, 'concret' não existe. Existe 'concrete', com um 'e' no fim, que tanto pode ser concreto como betão (lá está), mas 'concret', desculpem lá, mas não. No entanto, até aceito que, com alguma boa vontade, se pudesse passar por cima deste pequeno erro (logo na palavra que por azar é título da canção, enfim...); o que já me parece mais difícil é aceitar – ou perceber... – o que raio querem eles dizer logo nos dois primeiros versos da música: 'All those concret things like net/ And hold it' Importam-se de repetir? Concret things like net? Ontem sugeriram-me que talvez a música falasse de redes de cimento – para ser sincero, qualquer coisa já me parece possível. E que faz ali aquele 'And hold it'? Logo a seguir, começam a elencar as tais concret things e falam em 'The trees and days/ The look and cook' – que diabo, the look and cook? É impressão minha ou este cook só aqui está porque ninguém se lembrou de mais nada que rimasse com look?... Não é que os Gift pudessem fazer algo do género, escrever coisas sem sentido só por rimar, claro que não, ou não fossem eles os autores de 'Driving Me Slow' que contém este fabuloso verso no refrão: 'I will build my world, I will sing my songs I will keep my helmet on'. Sempre adorei aquela referência ao capacete. Enquadra-se na perfeição com o resto da música e tem tudo a ver com o que vem para trás. Claro que não é apenas uma tentativa meio arriscada de rimar songs com on (na música soa melhor do que parece). Afinal de contas estamos a falar da banda que escreveu coisas bonitas como:
"Lived on the top of the street in a building full of green, Field?
Was not that screen. Scream?"
(esta rima atrevida de screen com scream emociona-me!...)

Tudo isto dá que pensar – quando os The Gift cantam 'Does he know how to sing or it's terribly, terribly me' (num inglês apropriadamente terrível) apetece responder: a questão não é se ele sabe cantar, mas sim se vocês têm a mínima ideia do que querem escrever, malta...

Mais um enigma, se ainda não bastar:
"Substitute your only trouble by a bottle full of water just to prove this love about you…
if someone ever found her, put a sign inside you – 'There's only one love'."
Que raio estão eles a dizer?! Isto é indecifrável. Arrisco que isto talvez tenha algo a ver com escrever mensagens em garrafas – há ali uma bottle full of water, há um put a sign inside you (que me faz sempre lembrar o famoso 'put the cream' do Zezé Camarinha). Será isso? Message in a bottle, como no livro daquele autor maior da literatura, Nicholas Sparks? (Não seria a primeira vez que os Gift o referenciavam, por incrível que pareça – em 'An Answer' dizem 'By the time you'll read these lines I'll be gone/ like the novel "Dear John"'. Quando li isto pensei que era um piscar de olho ao primeiro verso do tema de abertura da sitcom 'Dear John', que dava há uns anos na televisão, mas os Gift falam num romance, e essa referência baralhou-me. Fui procurar e encontrei: é o último de Nicholas Sparks...)

E com tudo isto, chegamos ao fabuloso "Fácil de Entender", desta feita em português, e que é tudo menos o que o título indica – veja-se o belíssimo verso 'Se por falar falei, pensei que se falasse era mais fácil de entender'. Não, Sónia, não é fácil de entender. Nada nos Gift o é. Aliás, quer-me parecer que os Gift finalmente se aperceberam do que têm escrito ao longo dos tempos e resolveram fazer uma espécie de pedido de desculpas. Ou pelo menos admitir os erros do passado – só assim faz sentido ouvir Sónia Tavares cantar, nessa mesma música, 'sabe Deus o que quero dizer'...

E ainda assim, duvido que mesmo ele saiba...

9 comentários:

Anónimo disse...

Estamos um bocadinho ressabiados com alguma coisa, não?

Deve ser impressão minha.

É que isto ainda deve ter dado algum trabalho e quando se expreme não sai nada. É que nem sequer tem piada. Bolas.

spade disse...

"É que isto ainda deve ter dado algum trabalho e quando se expreme não sai nada. É que nem sequer tem piada. Bolas."
Precisamente. Foi o que pensei quando li as letras deles. :)

Anónimo disse...

A análise está divertida e revela de facto o ridículo em que muitas bandas caem - no caso dos The Gift, sublinhada pelo tal projecto internacional de que eles tanto falam e não se vê nada (deve ser como a internacionalização das empresas portuguesas... só existe nos jornais). No entanto, dando de barato a questão do inglês, já pensaste aplicar esse rigor de análise, por exemplo, às letras de consagrados internacionais? Se calhar, aguardam-te umas surpresas... Experimenta começar por Radiohead.

Anónimo disse...

Ó pá, não se metam com os Radiohead!

Blitzkrieg disse...

É o maior post de sempre na Fátima. Estás de parabéns!

Ou em GIFTês: "Is the bigger post always on Fátima. You are happy birthday!".

Anónimo disse...

k palhacada!!!!!!!!!!!!!!!!!!1

Anónimo disse...

Os The gift, tem esses erros todos, e vocês quem são?
Fazem alguma coisa?
Ok, já entendi, pseudo intelectos inertos em prol de varios pesamentos que não levam a nenhum sitio.
Pois é, gosto muito mais de os ouvir de que vos ler, passem bem.
Façam alguma coisa por vocês.

spade disse...

caro anónimo anterior - são comentários como o seu que nos dão força para continuar! obrigado pelo apoio!! :)

Axe disse...

Que saudades que eu tinha de leitores que nos façam comentários desta natureza! Anónimo, um grande bem-haja para si e volte sempre. Teremos certamente temas novos com os quais ficará indignado e revoltado!